Introdução
Nos últimos anos, o aluguel por curta temporada por meio de plataformas como Airbnb, Booking e similares tem crescido exponencialmente em todo o país. Essa nova modalidade de hospedagem trouxe comodidade e renda extra a muitos proprietários, mas também gerou tensões no âmbito condominial, especialmente em empreendimentos com destinação exclusivamente residencial.
A grande questão que se coloca é: o condômino pode ser impedido de alugar seu imóvel por curta temporada? As decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) lançam luz sobre o tema e redefinem os limites do direito de propriedade dentro do condomínio.
1. O Direito de Propriedade e Seus Limites
O direito de propriedade é protegido pela Constituição Federal (art. 5º, XXII) e pelo Código Civil (art. 1.228). No entanto, esse direito não é absoluto. O §1º do artigo 1.228 do Código Civil impõe que o uso da propriedade deve atender à sua função social, o que, no âmbito condominial, se traduz em respeitar a segurança, a tranquilidade e o sossego dos demais condôminos.
2. O Que Decidiu o STJ? O Condomínio Pode Restringir?
O STJ julgou o Recurso Especial nº 1.884.483/PR, decidindo que, caso a convenção do condomínio preveja a destinação exclusivamente residencial das unidades, os proprietários não poderão alugá-las por meio de plataformas digitais, a menos que essa modalidade seja expressamente autorizada.
Portanto, o condomínio pode proibir ou restringir essa modalidade de locação. Contudo, a restrição precisa estar prevista na convenção, aprovada com o quórum de 2/3 dos condôminos (art. 1.351 do Código Civil), seja informando o caráter exclusivamente residencial das unidades ou constando expressamente a proibição.
O alerta fica para as convenções que não falam do caráter exclusivamente residencial das unidades, assim, nesses casos a locação por curta temporada seria permitida.
3. Como o Condomínio Pode Agir na Prática
Para que a restrição seja válida, é fundamental que a assembleia seja convocada com pauta clara e objetiva sobre o tema. A deliberação deve obedecer ao quórum qualificado de 2/3 dos condôminos, constar em ata e ser registrada. Recomenda-se, ainda, a alteração do regulamento interno para prever sanções em caso de descumprimento.
Ao aplicar penalidades, é essencial respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, evitando nulidades e a judicialização da medida.
Caso o condomínio seja favorável à liberação do aluguel, deve atentar-se a algumas especificidades, como:
- Prazo máximo permitido para locação: 30, 60 ou 90 dias.
- Limitações no número de hóspedes permitidos por unidade.
- Restrições quanto à frequência das locações em determinado período.
- Exigência de registro prévio dos hóspedes junto à administração (incluindo nomes, documentos de identificação e dados do veículo).
- Regras específicas sobre o uso das áreas comuns (como piscina e academia) por hóspedes de curta temporada.
- Obediência às normas internas do condomínio e a responsabilidade dos condôminos por seus inquilinos.
Em caso de proibição válida, o quórum para a permissão também é qualificado: 2/3 dos condôminos.
4. Uma Luz à Frente na Legislação Federal
As reformas propostas ao Código Civil também podem ter impacto significativo no aluguel por curta temporada em condomínios. A proposta de reforma inclui artigo que permite aos condomínios residenciais proibir o uso de unidades para hospedagem atípica, seja por meio de plataformas digitais ou de qualquer outra forma, salvo autorização expressa nas normas internas ou deliberação da assembleia.
O texto proposto estabelece que:
“Nos condomínios edilícios residenciais, o proprietário ou quem utilize unidade autônoma, salvo expressa autorização no regimento interno ou em deliberação assemblear, não poderá destiná-la à hospedagem atípica, mediante plataformas digitais ou qualquer outra forma de oferta.”
Essa alteração visa conferir aos condomínios maior poder de regulamentação, fortalecendo a autonomia da coletividade, mesmo diante de interesses individuais.
5. Impactos para Síndicos, Moradores e Inquilinos
Ao afirmar a legitimidade da assembleia para restringir ou permitir a locação de curta duração, o STJ reforça a autonomia privada do condomínio e fornece maior segurança jurídica para síndicos e assessores jurídicos.
O advogado condominial deve orientar quanto à correta convocação e redação das deliberações, bem como prestar apoio em eventuais medidas judiciais contra condôminos que insistam na prática vedada.
Já o morador ou inquilino, antes de anunciar ou alugar qualquer propriedade para curta temporada, deve verificar minuciosamente as regras e regulamentos específicos do condomínio. Isso inclui revisar a convenção condominial e o regulamento interno para identificar cláusulas que proíbam ou regulamentem a prática. Entrar em contato com o síndico ou a administração também é recomendável, a fim de esclarecer eventuais dúvidas.
6. Conclusão
O STJ não proibiu o aluguel por curta temporada. O que a Corte decidiu foi que, diante da autonomia dos condôminos, é possível que a assembleia restrinja ou autorize essa prática, resguardando a autonomia da coletividade.
Cada condomínio deve analisar sua realidade, seus riscos e as necessidades da coletividade para deliberar com sabedoria e dentro da legalidade.
Dica do Especialista:
Como especialista em Direito Condominial, oriento que os condomínios convoquem assembleias com pauta clara, mantenham registro adequado das decisões e promovam um regulamento interno atualizado. A segurança jurídica da coletividade depende de organização e orientação técnica.
Artigo escrito por:
Lucas Araujo, advogado, pós-graduado em Direito Condominial e com mais de 6 anos de experiência na área de condomínios.
